FALAR DE DEUS USANDO VERBOS
A visão de mundo cristã leva em conta a existência de um Deus pessoal e sua ação na História. Agostinho, filósofo e teólogo cristão do século IV, em sua declaração “credo ut intelligam” (“creio para entender”) ensinou que o cristão vê o mundo através da fé. A fé cristã, por sua vez, encontra seu fundamento na percepção de Deus.
Ed René Kivitz, em Vivendo com Propósitos, escreveu sobre o melhor que conseguia perceber de Deus. Para Ele Deus é “o fundamento pessoal de toda a realidade existente”. Paulo apóstolo citou o poeta Epimênides (600 a.C) em seu discurso no areópago ateniense para referir-se ao “Deus desconhecido”: “Pois nele vivemos, nos movemos e existimos” (Atos 17,28). A existência humana está fundamentada nEle.
O povo hebreu influenciou decisivamente o cristianismo com sua experiência histórica de fé. A formação e o desenvolvimento de Israel como nação tem como centro gravitacional a confissão de fé registrada no Deuteronômio: “Ouve, ó Israel: o Senhor nosso Deus é o único Senhor” (Dt 6,4). Eduardo Getão, professor de História das Religiões, observa que “Não existe fé israelita, não existe bíblia hebraica, não existe a religião sem a profissão de fé formulada com clareza cada vez com mais ênfase, sem esta fórmula da aliança: “Senhor (Javé) é o Deus de Israel, e Israel é o seu povo”.
Olhar para a vida cotidiana dos hebreus ajuda a esclarecer a cosmovisão bíblica hebraica. Para esse povo a vida tinha enfoque na relação com o Criador, que dominava o universo. A ação de Deus na história era a razão da vida e a causa de tudo. No contexto antiquotestamentário, natural e sobrenatural interligam-se numa realidade entrelaçada e complexa. Crer era ser fiel e apostar a vida, ser parte de uma comunidade de fé.
Depois de ouvir uma exposição dessa concepção de mundo numa palestra de Luiz Sayão constatei que estou mais enquadrado numa perspectiva inspirada na visão grega ocidental. Mais preocupado com o pensamento abstrato sobre Deus, a busca da Sua essência explicada de maneira sistemática. Nesse ponto de vista, crer resume-se em concordar com a mente.
No texto bíblico, o Deus que se revela também é o Deus que se esconde. No relacionamento com ele a busca da santificação é mais importante do que descobrir sua essência. A pessoa é chamada para fora de si na direção do Criador e da realidade. A Bíblia não apresenta uma descrição técnica e linear de Deus, mas o apresenta na história através de uma literatura diversificada.
No texto bíblico, o Deus que se revela também é o Deus que se esconde. No relacionamento com ele a busca da santificação é mais importante do que descobrir sua essência. A pessoa é chamada para fora de si na direção do Criador e da realidade. A Bíblia não apresenta uma descrição técnica e linear de Deus, mas o apresenta na história através de uma literatura diversificada.
O texto bíblico não pode ser submetido a um modelo sistemático. Toda tentativa de domar Deus e a experiência de fé pelas forças da razão desemboca em perda da sensibilidade e da admiração e tornam-se fechadas em suas próprias perspectivas. A Bíblia apresenta a experiência com Deus no movimento da vida, da emoção profunda e da complexidade da vida.
Relacionei essa reflexão com as explicações do Dr. Ágabo Borges nas aulas de Antigo Testamento no Seminário sobre a “mente hebraica”. A fascinante visão da história como palco da ação de Deus. A perplexidade diante da concepção de tempo tão diferente na nossa. O passado está diante dos olhos, podemos ver como Deus agiu e crer que Ele agirá. O futuro está atrás, oculto, mas determinado pela palavra de Deus que acontece e faz a história.
Werner Schmidt em Introdução ao Antigo Testamento, analisando como se fala de Deus, observa que o AT vincula a confissão da eternidade de Deus com a consciência histórica da temporalidade da fé. Comentando a libertação do Egito como ato fundamental para a história de Israel, revelando quem Deus é através da narração de como ele age, o autor escreve: “Visto que o acontecimento preserva um significado que ultrapassa o âmbito daqueles que foram diretamente atingidos e com isso se mantém aberto em relação ao futuro, podem ser acrescentados a este evento em particular outros acontecimentos, de sorte que a retrospectiva o louvor a Deus abarca uma sucessão de acontecimentos”.
O estudo filológico do nome IAHWEH, comumente traduzido como “Eu sou quem eu sou”, mostra que seu significado é mais dinâmico que o nosso verbo ser. Hans Walter Wolf, em Bíblia Antigo Testamento destaca que o sentido é mais de atividade, refere-se a uma auto-revelação, uma auto-interpretação no seu agir histórico. Wolf diz que a tradução tradicional é problemática e propõe em substituição uma melhor: “Eu me revelo como aquele que se revela” ou “Eu sou (operante como) aquele que se põe a trabalhar”.
Depois destas anotações iniciais procurei esboçar uma leitura do Antigo Testamento, aprendendo com a experiência do povo hebreu como conhecer e vivenciar a relação com Deus a partir de verbos, da ação, da relação. Farei uma tentativa, limitada e convido o leitor a completa-la.
I – DEUS VIVE
Dizer que Deus vive é afirmar que Ele é suficiente.
“Mas o Senhor é o Deus verdadeiro; ele é o Deus vivo; o rei eterno. Quando ele se ira, a terra treme; as nações não podem suportar o seu furor” (Jr 10.10 – NVI).
“Como a corça anseia por águas correntes, a minha alma anseia por ti, ó Deus. A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo. Quando poderei entrar para apresentar-me a Deus?” (Sl 42,1-2– NVI).
II – DEUS CRIA
Dizer que Deus cria é afirmar que Ele é universal.
“e abençoou Abrão, dizendo: "Bendito seja Abrão pelo Deus Altíssimo, Criador dos céus e da terra” (Gn14,19 – NVI).
“Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo surgiu” (Sl 33,9 – NVI).
III – DEUS GOVERNA
Dizer que Deus governa é afirmar que Ele é soberano.
“Como são belos nos montes os pés daqueles que anunciam boas novas, que proclamam a paz, que trazem boas notícias, que proclamam salvação, que dizem a Sião: "O seu Deus reina!" (Is 52,7 – NVI).
“Então louvei o Altíssimo; honrei e glorifiquei aquele que vive para sempre. O seu domínio é um domínio eterno; o seu reino dura de geração em geração” (Dn 4,34 – NVI).
IV – DEUS PROMETE
Dizer que Deus promete é afirmar que Ele é fiel.
Deus afirmou: "Eu estarei com você. Esta é a prova de que sou eu quem o envia: quando você tirar o povo do Egito, vocês prestarão culto a Deus neste monte" (Ex 3,12 – NVI).
“Agora, Senhor Deus, confirma para sempre a promessa que fizeste a respeito de teu servo e de sua descendência. Faze conforme prometeste” (2 Sm 7,25 – NVI).
V – DEUS PROTEGE
Dizer que Deus peleja é afirmar que Ele é todo-poderoso.
“Quando Abrão estava com noventa e nove anos de idade o Senhor lhe apareceu e disse: "Eu sou o Deus todo-poderoso ande segundo a minha vontade e seja íntegro.” (Gn 17,1).
“Sei que podes fazer todas as coisas; nenhum dos teus planos pode ser frustrado” (Jó 42,2 – NVI).
A lista de verbos deve ser ampliada pela experiência de conhecimento de Deus na história do seu povo, na Bíblia, na Igreja, na família. Todos os dias podemos falar de Deus usando verbos.
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Pr. Petronio Borges