GRAÇA QUE SALVA E SANTIFICA
Qual deve ser a impressão que uma pessoa de fora do convívio da igreja tem da graça de Deus? O que deve imaginar quando ouve a palavra "santificação". Certamente você já ouviu a expressão “lei dos crentes”. O pensamento por trás destas palavras deve ser: uma lei que passamos a cumprir para alcançarmos a salvação.
A experiência com a graça transmitida pela igreja através de ensinos e práticas parece limitar-se mais a uma separação entre a igreja e o “mundo” (como se a igreja não estivesse no mundo). A preocupação com usos e costumes, moda, cinema, música secular, esporte e lazer na tentativa de deixar clara a diferença entre os "salvos" e os "perdidos".
A leitura do livro É proibido – o que a Bíblia permite e a igreja proíbe, de Ricardo Gondim, publicado pela Mundo Cristão em 1998, permitiu-me consolidar, ainda no período de formação no Seminário algumas convicções sobre o processo que chamamos santificação. Convido-o a revisar comigo alguns pontos do caítulo que ele dedica à "maravilhosa graça". Esta leitura ajudou-me a fortalecer a certeza de que a graça é responsável pela minha santificação.
Temos perdido a oportunidade de confrontar a sociedade na qual vivemos, que mede o valor das pessoas pelo desempenho, pela produtividade. As exigências e cobranças advindas de uma vida que elege o profissional ou econômico como fator preponderante projetam-se para a nossa relação com Deus. Muitas vezes a imagem de Deus desenhada por palavras em oração é sem graça, “ele” não ri, sempre exige o cumprimento de uma regra para se agradar dos seus filhos, um “deus” sem ternura.
Mas, o que é a graça? Gondim nos lembra que a palavra vem do latim gratia ou do grego charis que significam favor imerecido de Deus ao homem. O evangelho é o anuncio da salvação pela graça. Citando Paul Tournier, em Culpa e Graça:
“Salvação não é uma idéia; é uma pessoa. É o próprio Jesus, o próprio Deus quem se dá”.
Ainda em referência a um grande pensador cristão, cita A. W. Tozer, em Mais perto de Deus:
“Graça é o bel-prazer de Deus que o inclina a outorgar benefícios sobre os que nada merecem. É um princípio auto-existente, inerente na natureza divina, e parece-nos uma propensão auto-causada, no sentido de compadecer-se dos desgraçados, dar boas vindas aos réprobos, e favorecer os que estavam sob justa reprovação”.
Existe de fato um perigo quando a graça é associada ao cumprimento de regras e leis. Gondim recorre a uma referência contemporânea do cristianismo no Brasil, o teólogo católico Leonardo Boff, no livro A graça libertadora no mundo:
“Sempre que a graça não é reconhecida e nossa santidade é atribuída ao nosso esforço humano, origina-se a ostentação, inflação do eu, soberba que faz a pessoa se colocar sempre em primeiro lugar; surge o artificial, o teatral, as máscaras, a complicação no trato a preocupação neurótica pela própria imagem”.
Foi essencial para mim refletir sobre a relação entre graça e misericórdia – cordis e miserere – coração que se move com a miséria. Toda graça demonstrada ao pecador é um ato de misericórdia, pois todos os pecadores são miseráveis ou desprezados.
A graça salva e santifica. O pecador miserável que se arrepende, confessa a sua iniqüidade, reconhece que é impotente passa a ser alvo da ação graciosa de um Deus santo. Mas graça não cobra, capacita. Assim declarou Paulo em sua exposição doutrinária aos Efésios:
“Mas Deus, sendo rico em misericórdia, por causa do grande amor com que nos amou, e estando nós mortos em nossos delitos, nos deu vida juntamente com Cristo, —pela graça sois salvos, e, juntamente com ele, nos ressuscitou, e nos fez assentar nos lugares celestiais em Cristo Jesus; para mostrar, nos séculos vindouros, a suprema riqueza da sua graça, em bondade para conosco, em Cristo Jesus. Porque pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie. Pois somos feitura dele, criados em Cristo Jesus para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas”. (Efésios 2,4-10).
A santificação se dá pela aproximação com Deus em um relacionamento no qual buscamos conhecê-lo cada vez mais e pelo prazer de estar com ele, aprendemos a nos tornar mais parecidos com Jesus.
A graça se destina àqueles que carecem e buscam esse relacionamento:
aos humildes
“Antes, ele dá maior graça; pelo que diz: Deus resiste aos soberbos, mas dá graça aos humildes” (Tiago 4,6)
“cingi-vos todos de humildade, porque Deus resiste aos soberbos, contudo, aos humildes concede a sua graça” (1 Pedro 5,5b)
aos que se achegam
“Porque, se vós vos converterdes ao SENHOR, vossos irmãos e vossos filhos acharão misericórdia perante os que os levaram cativos e tornarão a esta terra; porque o SENHOR, vosso Deus, é misericordioso e compassivo e não desviará de vós o rosto, se vos converterdes a ele” (2 Crônicas 30,9)
aos que pedem
“Porque o povo habitará em Sião, em Jerusalém; tu não chorarás mais; certamente, se compadecerá de ti, à voz do teu clamor, e, ouvindo-a, te responderá” (Is 30,19)
àqueles cujo prazer está no Senhor
“Agrada-te do SENHOR, e ele satisfará os desejos do teu coração” (Salmo 37,5)
aos que esperam
“Eis que os olhos do SENHOR estão sobre os que o temem, sobre os que esperam na sua misericórdia, para livrar-lhes a alma da morte, e, no tempo da fome, conservar-lhes a vida” (Salmo 33,18,22)
aos que ser refugiam no Senhor
“Tem misericórdia de mim, ó Deus, tem misericórdia, pois em ti a minha alma se refugia; à sombra das tuas asas me abrigo, até que passem as calamidades” (Salmo 57,1)
“O SENHOR é bom, é fortaleza no dia da angústia e conhece os que nele se refugiam” (Na 1,7)
Deus ama espontaneamente, desinteressadamente, de graça. Deus nos amou primeiro. Por isso podemos amá-lo. Ele quer que tenhamos consciência do nosso pecado, mas nos quer ver livres da culpa irracional que muitas vezes nos impede de mantermos relacionamentos saudáveis, inclusive com Ele.
A igreja e a Bíblia são providências para que vivamos de acordo com a sua vontade, não devem ser alvos do medo ou da angústia. O que Deus mais quer para os seus filhos é que sejamos semelhantes a Jesus para ouvirmos os ecos da sua voz: “Este é o meu Filho amado, em quem me comprazo” (Mateus 17,5). Isso sim é santificação. Isso é graça.
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Pr. Petronio Borges