APOCALIPSE – A BELEZA DA LINGUAGEM


“Revelação de Jesus Cristo, a qual Deus lhe deu, para mostrar aos seus servos as coisas que brevemente devem acontecer; e pelo seu anjo as enviou, e as notificou a João seu servo” (Ap 1,1). Este é o título do último livro da Bíblia Cristã em sua forma mais extensa. No grego Apokalypsis significa “revelação”. No latim, Revelatio traz o sentido de expor à vista, uma verdade oculta agora descoberta. 


O livro foi escrito entre os anos 70 e 90 d.C. A tradição atribui à pena de João, o discípulo amado, que encontrava-se exilado na ilha de Patmos, por ocasião da perseguição movida pelo Imperador Domiciano, ou “segundo Nero”, como era apelidado pelos cristãos da época devido à semelhança dos atos de crueldade por ele cometido. Este é o testemunho de Inácio (antes de 135 d.C), Irineu (180) e do Cânon Muratoriano (final do século II). Mas o texto provavelmente tenha sido gestado pela “escola joanina”, grupo dos discípulos, no seio do qual teria crescido e se desenvolvido a tradição joanina. Foi escrito com uma crise em vista e lido com acontecimentos históricos de natureza concreta. 


O ano era provavelmente 96, Domiciano que exigia veneração como deus. A própria Roma já havia sido adorarada no culto à Dea Roma. As comunidades cristãs entendiam o culto ao imperador (Kyrios Kaisar – César é o Senhor) como idolatria e foram perseguidas sob a acusação de deslealdade política. Harrington destaca o objetivo diante dessa crise: “manter viva a esperança em Deus e lembrar aos homens que Deus detém o controle da história”. 


No período da ditadura militar no Brasil (1964-1979) a arte foi um instrumento de resistência para a sociedade. A música, forma artística mais popular, contém “mensagens cifradas”, que serviam de correspondência entre artistas, intelectuais e políticos perseguidos pelo regime. A letra da canção "Debaixo dos Caracóis dos Seus Cabelos" é uma homenagem a Caetano Veloso feita por Roberto Carlos e Erasmo Carlos em solidariedade por seu exílio, em Londres, para onde fora deportado em 1969 pela Ditadura Militar. A música “O Bêbado e o Equilibrista”, composta por Aldir Blanc e João Bosco, no mesmo período, para o “irmão do Henfil”, o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, irmão do cartunista Henrique de Souza, que estava no exílio é outro exemplo. 


A linguagem aproxima-se do gênero literário presente no Antigo testamento, sobretudo em Ezequiel e Daniel. É literatura selada, como observa Harrington em sua “Chave para a Bíblia”. O texto tem como destinatário um público que entendia da simbologia apocalíptica, familiarizado com estes escritos. A dificuldade de interpretação é atenuada pela relação com a história. Isso ajuda a explicar o uso da linguagem figurada. 


Mas, embora tenha sido dirigido para cristãos do seu tempo, podemos perceber nele uma mensagem a gerações futuras. A interpretação puramente preterista é insuficiente para uma abordagem coerente deste texto. Oscar Cullmann em “A formação do Novo Testamento” lembra que a diferença dos apocalipses judeus para o joanino está no conceito de tempo. O centro da história, para os cristãos, está antecipado em Jesus Cristo. “Todo tempo presente já é tempo do fim, se bem que o cumprimento cabal ainda esteja porvir... Esta é a chave da compreensão de todo o livro”.


FONTES:
CLOUSE, Robert G. Milênio – significado e interpretações. Campinas, Luz para o Caminho. 1990.b
CULLMANN, Oscar. A Formação do Novo Testamento. São Leopoldo, Sinodal, 1996.
FEE, G.D.; STUART, D. Entendes o que lês? São Paulo, Vida Nova. 1997.
HARRINGTON, Wilfrid John. Chave para a Bíblia: a revelação: a promessa: a realização. São Paulo, Paulinas, 1985.
SHEDD, Russel P. Escatologia do Novo Testamento. São Paulo, Vida Nova, 1983.
SILVA, João Artur Müler da (Editor), 22 perguntas e respostas da fé. São Leopoldo, Sinodal, 2000.

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